O ESTUDO SOBRE A NATUREZA DO CRISTO I.
§ I — FONTES
DAS PROVAS SOBRE A NATUREZA
DO
CRISTO
A questão da natureza do Cristo foi debatida desde os primeiros
séculos do Cristianismo e pode-se dizer que ainda não se acha solucionada, pois
que continua a ser objeto de discussão. Foi a divergência das opiniões sobre
este ponto que deu origem à maioria das seitas que dividiram a Igreja há
dezoito séculos, sendo de notar-se que todos os chefes dessas seitas foram
bispos ou membros titulados do clero.
Eram, por conseguinte, homens esclarecidos, muitos deles escritores
de talento, abalizados na ciência teológica, que não achavam concludentes as
razões invocadas a favor do dogma da divindade do Cristo. Entretanto, como
hoje, as opiniões se firmaram mais sobre abstrações do que sobre fatos.
Sobretudo, o que se procurou foi saber o que o dogma continha de plausível, ou
de irracional, deixando-se, geralmente, de um lado e de outro, de assinalar os
fatos capazes de lançar sobre a questão uma luz decisiva. Mas, onde encontrar
esses fatos, senão nos atos e nas palavras de Jesus?
Nada tendo Ele escrito, seus únicos historiadores foram os
apóstolos que, tampouco escreveram coisa alguma quando o Cristo ainda vivia.
Nenhum historiador profano, seu contemporâneo, havendo falado a seu respeito
nenhum documento mais existe, além dos Evangelhos, sobre a sua vida e a sua
doutrina. Aí somente é que se há de procurar a chave do problema. Todos os
escritos posteriores, sem exclusão dos de S. Paulo, são apenas, e não podem
deixar de ser, simples comentários ou apreciações, reflexos de opiniões pessoais,
muitas vezes contraditórias, que, em caso algum, poderiam ter a autoridade da
narrativa dos que receberam diretamente do Mestre as instruções.
Sobre esta questão, como sobre as de todos os dogmas, em geral,
o acordo entre os Pais da Igreja e outros escritores sacros não seria de
invocar-se como argumento preponderante, nem como prova irrecusável a favor da
opinião de uns e outros, uma vez que nenhum deles citou um só fato, fora do
Evangelho, concernente a Jesus; que nenhum deles descobriu documentos novos que
seus predecessores desconhecessem.
Os autores sacros nada mais conseguiram do que girar dentro do
mesmo círculo, produzindo apreciações pessoais, deduzindo corolários
acordemente com seus pontos de vista, comentando sob novas formas e com maior
ou menor desenvolvimento as opiniões contrárias às suas. Pertencendo ao mesmo
partido, tiveram todos de escrever no mesmo sentido, senão nos mesmos termos,
sob pena de serem declarados heréticos, como o foram Orígenes e tantos mais.
Naturalmente, a Igreja só incluiu no número dos seus Pais os escritores
ortodoxos, do seu ponto de vista; somente exalçou, santificou e colecionou
aqueles que lhe tomaram a defesa, ao passo que repudiou os outros e lhes destruiu
quanto pôde os escritos. Nada, pois, de concludente
exprime
o acordo dos Pais da Igreja, visto que formam uma unanimidade arranjada a dedo,
mediante a eliminação dos elementos contrários. Se se fizesse um confronto de
tudo que foi escrito pró e contra, difícil se tornaria dizer para que lado se
inclinaria a balança.
Isto nada tira ao mérito pessoal dos sustentadores da ortodoxia,
nem ao valor que demonstraram como escritores e homens conscienciosos. Sendo
advogados de uma mesma causa e defendendo-a com incontestável talento, haviam
forçosamente de adotar as mesmas conclusões.
Longe de intentarmos apontá-los no que quer que fosse, apenas
quisemos refutar o valor das conseqüências que se pretende tirar do acordo de
suas opiniões.
No exame, que vamos fazer, da questão da divindade do Cristo,
pondo de lado as sutilezas da escolástica, que unicamente serviram para tudo
embaralhar sem esclarecer coisa alguma, apoiar-nos-emos exclusivamente nos
fatos que ressaltam do texto do Evangelho e que, examinados friamente,
conscienciosamente e sem espírito de partido, superabundantemente facultam todos
os meios de convicção que se possam desejar.
Ora, entre esses fatos, outros não há mais preponderantes, nem
mais concludentes, do que as próprias palavras do Cristo, palavras que ninguém
poderá refutar, sem infirmar a veracidade dos apóstolos. Pode-se interpretar de
diferentes maneiras uma parábola, uma alegoria; mas, afirmações precisas, sem
ambigüidades, repetidas cem vezes, não poderiam ter duplo sentido. Ninguém pode
pretender saber melhor do que Jesus o que ele quis dizer, como ninguém pode
pretender estar mais bem informado do que ele sobre a sua própria natureza.
Desde que ele comenta suas palavras e as explica para evitar todo equívoco, é a
ele que devemos recorrer, a menos lhe neguemos a superioridade que lhe é
atribuída e nos sobreponhamos à sua própria inteligência. Se ele foi obscuro em
certos pontos, por usar de linguagem figurada, no que concerne à sua pessoa não
há equívoco possível. Antes de examinar as palavras, vejamos os atos.
ALLAN
KARDEC.
Fonte: O Livro “OBRAS PÓSTUMAS”, - Allan Kardec –27 a.
Edição. –Instituto de Difusão Espírita , - Araras, SP. – Maio 2012.
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