II. - OS MILAGRES PROVAM A DIVINDADE DO CRISTO?
Segundo a Igreja, a divindade do Cristo está firmada pelos
milagres, que testemunham um poder sobrenatural.
Esta consideração pode ter tido certo peso numa época em que o
maravilhoso era aceito sem exame; hoje, porém, que a Ciência levou suas
investigações até às leis da Natureza, há mais incrédulos do que crentes nos
milagres, para cujo descrédito não contribuíram pouco o abuso das imitações fraudulentas
e a exploração que dessas imitações se há feito.
A fé nos milagres foi destruída pelo próprio uso que deles
fizeram, donde resultou que muitas pessoas consideram agora os do Evangelho
como puramente lendários.
A própria Igreja, aliás, tira aos milagres todo o alcance como
prova da divindade do Cristo, declarando que o demônio os pode operar tão
prodigiosos quanto aqueles outros.
Se tal poder tem o demônio, evidente se torna que os fatos desse
gênero carecem em absoluto de caráter exclusivamente divino. Se ele pode fazer
coisas espantosas, capazes até de iludir os eleitos, como poderão simples
mortais distinguir os bons milagres dos maus? Não será de temer que, observando
fatos similares, confundam Deus e Satanás?
Dar a Jesus semelhante rival em habilidade é grande desazo; mas,
em matéria de contradições e de inconseqüências, não se consideravam as coisas
com muita atenção numa época em que para os fiéis seria um caso de consciência o
pensarem por si mesmos e discutirem o menor artigo que se lhes impusesse à
crença. Não se contava então com o progresso e ninguém cuidava de que pudesse
ter fim o reinado da fé cega e ingênua, reinado cômodo, qual o do bel-prazer. O
papel tão preponderante que a Igreja se obstinou em atribuir ao demônio
produziu conseqüências desastrosas para a fé, à medida que os homens se foram sentindo
capazes de ver com seus próprios olhos. Depois de ter sido explorado com êxito
durante algum tempo, ele se tornou o alvião posto no velho edifício das crenças
e uma das causas da incredulidade. Pode dizer-se que a Igreja, com o tomá-lo
por auxiliar indispensável, alimentou em seu seio aquele que se voltaria contra
ela e lhe minaria os fundamentos.
Outra consideração não menos grave é a de que os fatos
milagrosos não constituem privilégio exclusivo da religião cristã. Não há, com
efeito, religião alguma, idólatra ou pagã, que não tenha seus milagres tão
maravilhosos e tão autênticos para os respectivos adeptos, quanto os do Cristianismo.
E a Igreja se privou do direito de os contestar, desde que atribuiu às
potências infernais o poder de os operar.
No sentido teológico, o caráter essencial do milagre é o de ser uma
exceção aberta nas leis da Natureza, o que, conseguintemente, o torna
inexplicável mediante essas mesmas leis. Deixa de ser milagre um fato, desde
que possa explicar-se e que se ache ligado a uma causa conhecida.
Desse modo foi que as descobertas da Ciência colocaram no
domínio do natural muitos efeitos que eram qualificados de prodígios, enquanto
se lhes desconheciam as causas.
Mais tarde, o conhecimento do princípio espiritual, da ação dos
fluidos sobre a economia geral, do mundo invisível dentro do qual vivemos, das
faculdades da alma, da existência e das propriedades do perispírito, facultou a
explicação dos fenômenos de ordem psíquica, provando que esses fenômenos não
constituem, mais do que os outros, derrogações das leis da Natureza, que, ao
contrário, decorrem quase sempre de aplicações destas leis. Todos os efeitos do
magnetismo, do sonambulismo, do êxtase, da dupla vista, do hipnotismo, da
catalepsia, da anestesia, da transmissão do pensamento, a presciência, as curas
instantâneas, as possessões, as obsessões, as aparições e transfigurações, etc.,
que formam a quase totalidade dos milagres do Evangelho, pertencem àquela
categoria de fenômenos.
Sabe-se agora que tais efeitos resultam de especiais aptidões e
disposições psicológicas; que se hão produzido em todos os tempos e no seio de
todos os povos e que foram considerados sobrenaturais pela mesma razão que
todos aqueles cuja causa não se percebia. Isto explica por que todas as
religiões tiveram seus milagres, que mais não são que fatos naturais, quase
sempre, porém, ampliados até ao absurdo pela credulidade e reduzidos agora ao
seu justo valor pelos conhecimentos atuais, que permitem se destaque deles a
parte devida à lenda.
A possibilidade da maioria dos fatos que o Evangelho cita como
operados por Jesus se acha hoje completamente demonstrada pelo Magnetismo e
pelo Espiritismo, como fenômenos naturais. Pois que eles se produzem às nossas vistas,
quer espontaneamente, quer quando provocados, nada há de anormal em que Jesus
possuísse faculdades idênticas às dos nossos magnetizadores, curadores,
sonâmbulos, videntes, médiuns, etc. Do momento em que essas mesmas faculdades
se encontram, em diferentes graus, numa multidão de indivíduos que nada têm de
divino, até em heréticos e idólatras, elas não implicam, de maneira alguma, a
existência de uma natureza sobre-humana.
Se o próprio Jesus qualifica de milagres os seus atos, é
que nisto, como em muitas outras coisas, lhe cumpria apropriar sua linguagem
aos conhecimentos dos seus contemporâneos.
Como poderiam estes apreender os matizes de uma palavra que
ainda hoje nem todos compreendem?
Para o vulgo, eram milagres as coisas extraordinárias que ele
fazia e que pareciam sobrenaturais, naquele tempo e mesmo muito tempo depois.
Ele não podia dar-lhes outro nome. Fato digno de nota é que se serviu dessa
denominação para atestar a missão que recebera de Deus, segundo suas próprias
expressões, porém nunca se prevaleceu dos milagres para se apresentar como
possuidor do poder divino.
1 Importa, pois, se risquem os milagres do rol das provas sobre
que se pretende fundar a divindade da pessoa do Cristo. Vejamos agora se as
encontramos em suas palavras.
.
ALLAN
KARDEC.
Fonte: O Livro “OBRAS PÓSTUMAS”, - Allan Kardec –27 a.
Edição. –Instituto de Difusão Espírita , - Araras, SP. – Maio 2012.
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