Gabriel Delanne -
Nascido em Paris, França, no dia 23 de março
de 1857, e desencarnado na mesma cidade, no dia 15 de fevereiro de 1926.
François Marie Gabriel Delanne era filho de Alexandre
Delanne e de Dona Marie-Alexandrine Didelot Delanne, espíritas convictos e
praticantes, amigos íntimo de Allan Kardec. Um dia o Codificador tomou do
menino, colocou-o em seu colo, e vaticinou que ele seria um elemento de
destaque no Espiritismo.
Oriundo de família espírita, não teve maiores
dificuldades em assimilar as ideias reencarnacionistas. Sua mãe também
contribuiu na grandiosa obra da revelação, tendo sido uma das médiuns que
serviram de instrumento para o Codificador compilar as obras básicas da
Doutrina Espírita.
Quando do sepultamento do Mestre Lionês seu pai foi um
dos oradores antes de baixar a sepultura o corpo. Em 1870 quando da inauguração
do “dólmen” do Codificador, construindo no Cemitério de Pére-Lachaise,
Alexandre Delanne, impedido por motivo de saúde, de comparecer àquela
solenidade, escreveu uma carta, na qual, dando o seu próprio testemunho, fez
sobressair as qualidades de Allan
Kardec.
O seu extenso estudo sobre as vidas sucessivas intitulado
“A Teoria da Reencarnação “, constitui um documento de relevante importância para o
esclarecimento de um dos postulados fundamentais da Doutrina Espírita. Delanne
também foi o prefaciador da Biografia de Allan Kardec, publicada por Henri
Sausse, no ano de 1900.
Foi companheiro de pesquisas psíquicas de Charles Richet,
tendo por isso granjeado a sua estima e amizade. Em companhia desse grande sábio
francês, Delanne presenciou a materialização do Espírito Bem-Boa, fato que
passou para a História do Espiritismo. Tamanha era a confiança nele depositada
por Richet que ele escreveu em seu “ Tratado de Metapsíquica”; antes de cada sessão, juntamente com Delanne, examinávamos
tudo minuciosamente”.
Verifica-se, em todas as páginas das obras delanneanas,
surgir, palpitante, a precisão científica de sua argumentação, o respeito da
verdade demonstrada.
Desde os 13 anos de idade se sentiu atraído pelas
pesquisas em torno do Espiritismo experimental, e desde essa época se aplicou a
observação continua dos fenômenos que lhe era dado testemunhar no seu próprio
lar. Cursou a Escola Central de Artes e Ofícios, formando engenheiro
eletricista. Por isso desde cedo orientaria seu pensamento pêlos moldes
rigorosos da Ciência, e pode-se dizer que essa sua formação intelectual
serviu-lhe poderosamente, e dela sempre se utilizou na elaboração de suas obras
de proselitismo.”
Seu interesse pelo estudo e propagação das obras de Allan
Kardec, através da faceta científica, levou-o quando contava com 26 anos de
idade, a abandonar a profissão de engenheiro eletricista.
No ultimo quartel de sua vida terrena, foi visitado pelo
ilustre confrade espírita brasileiro Dr. Canuto Abreu com que muito dialogaram,
disse-nos, ele; “Gabriel Delanne era a meus olhos
como um herdeiro da missão em que seus pais haviam eficientemente colaborado.
Era, naquele instante de minha vida, o maior e o mais velho da segunda geração
do Espiritismo.”
Gabriel Delanne, em conversa com Henri Regnault, disse
que quando resolvera consagrar-se resolutamente à propaganda espírita, foi-lhe transmitida uma mensagem no
seguinte teor: - “ Nada temas. Tem confiança.
Jamais serás rico sob o ponto de vista material; coisa alguma, porém, te faltará
na vida.”
Era com imenso prazer que ele contava à seus íntimos o
seguinte episódio de sua vida:
“ Em certo dia do ano de
1883, recebi uma carta em que a missivista, residente em Versalhes, encarecia a
minha visita, a fim de inteirar-me sobre o assunto concernente ao Espiritismo.
A impressão que tive ao receber esta carta foi péssima, não
era apenas porque o papel era de inferior qualidade, mas sobretudo porque os
termos em que estava vazada eram um tanto quanto obscuros, além dos muitíssimos
erros de ortografia e sintáticos.
Refletindo melhor, resolvi atender a essa solicitação. em
chegando à residência da missivista, veio abrir a porta uma senhora já idosa.
Ao saber que se tratava da minha pessoa, fez-me entrar imediatamente,
conduzindo-me a uma sala bastante ampla e modestamente mobiliada. A um canto
dessa sala havia uma grande mala toda forrada de couro amarelo-escuro, a qual,
desde logo, despertou minha atenção. Com uma terrível acentuação inglesa, a
senhora, sem se preocupar com o exame a que lhe estava submetendo, repetia-me,
já um tanto enfarada, ser pensamento seu fundar um jornal para difusão do
Espiritismo.
Mas, minha senhora, respondi-lhe, para tal cometimento
torna-se necessário dinheiro, mesmo porque um jornal, para que se mantenha
exige muito dinheiro.
Nesta altura a idosa senhora dirigiu-se, em passos
pesados, em direção à mala. Abrindo-a, dela tirou um maço de velhos papéis e do
meio deles uma grande carteira de couro, da qual retirou cinco cédulas de mil
francos cada uma, entregando-mas tranquilamente. Diga-se de passagem que, nessa
época - 1883 -, cinco mil francos representavam soma muito elevada. E ao
entregar-me essa importância disse: Eis
o necessário para as primeiras despesas. Estou pronta para fornecer-lhe daqui
por diante o que se tornar preciso. Estará disposto a aceitar o encargo de
dirigir esse jornal? Surpreso, diante do
inesperado, emudeci. Ela então repetiu com firmeza, aceita? Sim, articulei, e
agradeço, Senhora, o interesse demonstrado em torno da difusão do Espiritismo.
Para que agradecer? retrucou-me, acrescentando: logo que
saia o primeiro número peço-lhe procurar-me para juntos prosseguirmos na
propaganda do Espiritismo. E levantando-se bruscamente , fez-me entender que a
visita estava encerrada.
Foi dessa maneira, através da generosidade de uma
inglesa, e que outra não era senão a Senhora Elisabeth d’Esperance - ainda desconhecida em França, nessa época -,
que surgiu a revista “O Espiritismo”.
Realizou Delanne experiência com médiuns de grande fama.
Em 1904, juntamente com Charles Richet e outros estudiosos, presenciou os
prodigiosos fenômenos de materialização da vila Cármem em Argel.
Desse modo, a produção literária de Delanne não se apóia
em especulações imaginárias, mas em fatos por ele mesmo investigados e
confirmados. Dedicando-se, de maneira especial, ao labor de mostrar que o
Espiritismo assenta sobre bases científicas, escreveu suas principais obras,
que hoje ocorrem o mundo. Em “ O Espiritismo perante a
Ciência “, traça ele, com rara maestria,
um quadro completo dos dados que o Psiquismo pode apresentar para merecer o
respeito dos cientistas. E para darmos uma prova da admirável segurança de sua argumentação,
basta que lancemos os olhos sobre suas páginas e verificaremos, então, que
desde a época, já longínqua, em que apareceu a 1º edição dessa obra - 1893 -, o
seu autor teve a satisfação de verificar que algumas das mais importantes
teorias expostas tiveram a consagração
da Ciência. Isto ele próprio confessa na parte final da referida obra, em edições
subsequentes.
Delanne sabia muito bem quão poderosa é a força da
intolerância, do fanatismo e da paixão, por isso na Introdução do seu livro “ Pesquisas sobre a Mediunidade “ datada de 25 de fevereiro de 1900, escreveu:
“A luta é inflamada e,
provavelmente, será longa, de vez que os prejuízos religiosos e científicos se
mostram obstinados. Insensivelmente, porém, a evidência acaba impondo-se. Temos
agora a convicção de que a grandiosa certeza da imortalidade se tornará uma
verdade científica, cujas consequências benfazejas, fazendo-se sentir no mundo
inteiro, mudarão os destinos da Humanidade.”
Noutro ponto dessa Introdução, salientava, bem inspirado,
que a Física moderna, o magnetismo, o hipnotismo, a sugestação verbal ou
mental, a clarividência, a telepatia e o Espiritismo, todos esses conhecimentos
novos conduzem irresistivelmente o homem para o Além.
O surto evolutivo, em geral, no século XX, tem sido
espantoso, especialmente no que se relaciona com a Ciência, que nesses últimos
anos atingiu uma proporção verdadeiramente geométrica. A Física e a Química, a
partir da desintegração atômica, passaram a liderar as conquistas do saber
humano. Por isso não será fora de propósito
dizer que a obra “ A Evolução Anímica”, publicada em
1895, é mais um atestado eloqüente das verdades do Espiritismo, e coloca a
personalidade do seu autor num pedestal que bastante o dignifica.
Muitos conhecimentos científicos, expostos pelo autor,
sofreram, no correr dos anos, uma natural transformação e progresso, o que,
entretanto, não invalidou o vigor e a firmeza dos conceitos espirituais
emitidos por Delanne, mas, antes, vieram afirmá-los cada vez mais.
O mundo tem sofrido muito, em virtude das concepções
materialistas que avassalaram, por assim dizer, quase que todos os ramos da
atividade humana. Um dos maiores responsáveis por esse surto desagregador é
justamente o clericalismo, com seus abusões e absurdos clamorosos, verdadeiras
fábricas de descrentes e desiludidos.
No ano de 1925, Delanne, com cerca de 68 anos de idade,
deu à luz da publicidade uma obra de incomparável valor, intitulada “ A Reencarnação “, última, aliás, saída de
sua maravilhosa pena. Embora a última, como dissemos, na ordem cronológica, não
nos arreceamos em dizer que, pelo rigor da sua lógica, pelo valor de sua
argumentação, pela escolha de suas provas, pela superioridade de sua tese, pela
imparcialidade com que apresenta os fatos, essa obra é a primeira da coleção
delanneana.
A idade avançada, a paralisia e a cegueira não
conseguiram diminuir o potencial de sua atividade e a sua pujança da sua
inteligência e nem arrefecer-lhe o entusiasmo, sempre vivo em defesa dos
postulados espíritas à luz da Ciência.
Em todas as publicações espíritas apareciam seus escritos,
com o deliberando propósito de esclarecer e firmar a convicção das verdades
kardecianas, tendo o seu artigo de estréia aparecido em 1883. Fundou em 1897,
a “ Revue Scientifique et Morale du Spiritisme”, na qual ficaram registrados preciosos trabalhos de sua
autoria e de outros estudiosos do Espiritismo experimental.
É bem certo que ele, absolutamente, não ignorava ser
precaríssimo seu estado de saúde nos últimos anos de vida, o que todavia não o
induzia a cruzar os braços à espera que soasse a hora da libertação do seu Espírito.
Basta dizer que cogitava escrever mais um livro, cujo conteúdo já estava
espiritualmente delineado. Não o escreveu, porém, porque no dia 15 de fevereiro
de 1926, na mesma Paris que o viu nascer, seu Espírito se desprendia da matéria,
ruma a Espiritualidade.
Seu último artigo jornalístico, intitulado “ A Exteriorização do Pensamento”, saiu publicado em “ La Revue Spirite “ de fevereiro de 1926, quando então ele não mais se
encontrava entre nós.
Gabriel Delanne, ao prefaciar a obra “ Kate King, historie de ses apparitions”, em 1899, entre outras coisas, escreveu uma passagem que
bem define o sue propósito de mostrar, de maneira exuberante, que os postulados
da Codificação kardequiana são de tal ordem que a Ciência, com todo o seu poder
e autoridade, jamais lhe conseguirá abalar os alicerces, mesmo porque os
processos científicos, quando aplicados com honestidade, só levam a concluir
pela veracidade da Doutrina Espírita.
Bem sabemos que isso não pode agradar aos homens que só vêem
diante de seus olhos matéria, sempre matéria e nada mais que a matéria! e aos
teólogos que sabem que a implantação dos ensinos dos Espíritos importa na
erradicação formal dos dogmas que sustentam suas religiões, inconsistentes às
mais simples análises científicas.
Ora, como Gabriel Delanne, cujo nome imprime autoridade,
situou o Espiritismo em bases científicas, era natural que sofresse também a
ira dos que se sentiram prejudicados e ameaçados em seus interesses
personalistas e de castas.
Ele soube, pela sua formação espiritual, pela sua sólida
cultura e também pela fina educação que recebera no lar, bafejado pelas luzes
do Espiritismo, ele soube, repetimos, enfrentar todas as situações, delas
saindo cada vez mais respeitado e admirado.
Devido a cegueira física e a paralisia, ficou incapaz
para continuar as pesquisas cientificas. Descortinou para ele um outro campo de
observação do Espiritismo, até então desconhecido, jamais pensou que existissem
além das verdades espíritas encaradas pelo angulo cientifico, da Ciência
positiva, o único admitido por ele.
Cumprida a tarefa que lhe fora confiada e da qual se
desincumbiu magnificamente, recebeu, como prêmio a cegueira física para que os
olhos do Espírito pudessem então maravilhar-se com a verdade integral do
Espiritismo.
Gabriel Delanne durante sua longa peregrinação foi
privado das consoladoras bênçãos do Espiritismo total, não porque seu espírito
não sentisse ânsias de algo que só a Filosofia concede e que o Evangelho
faculta, dentro desse organismo para onde convergem as três forças propulsoras
do verdadeiro progresso espiritual, na sua mais alta e ampla acepção. Mas era
preciso que ele sofresse e ficasse assim
privado desses sublimes refrigérios da alma, a fim de a que a Doutrina Espírita
penetrasse nas altas esferas do conhecimento humano, para que despertasse os
homens de pensamento, de maneira a que vissem no Espiritismo uma fonte inexaurível
de estudos da mais alta transcência. E essa cegueira e mais a paralisia que lhe
dificultava os movimentos, fechando-lhe definitivamente o mundo dos efeitos,
transportou-o para o mundo das causas, pouco penetrável pela ciência dos
homens. O Dr. Canuto Abreu, o conheceu pessoalmente, com ele manteve muitos diálogos,
em sua coluna da revista “Metapsiquica”, escreveu sobre a nova fase do eminente Cientista do
Espiritismo, dizendo:
“ Então, num plenilúnio de
recompensa dada ainda em vida terrena, ele foi encontrar o redil dos cordeiros
cristãos. Aproximou-se como peregrino cansado. Tateou a cerca até a porta.
Bateu. A porta era Jesus e abriu-se. Ele entrou emocionado. Aquele rebanho, que
nunca o havia interessado quando gozava a visão da carne, era agora o seu
rebanho.”
A 7 de setembro de 1925, quando da sessão de abertura do
Congresso Espírita Internacional, surpreendeu a todos os psiquistas presentes vindo do mundo todo, quando se fez
ler o Discurso de Gabriel Delanne, e que assim principiava:
“Roguemos para os nossos
trabalhos a bênção divina, pois que é nela que reside todo o poder, toda a ciência, toda a justiça, toda
a bondade e todo o amor.”
Noutra parte dessa mensagem do congresso, lembrava ele
aos estudiosos presentes:
“Para todas as nossas
investigações, não receemos pedir ao mundo invisível as instruções necessárias.
Não nos esqueçamos de que uma falange de grandes sábios continua no Além a se
interessar pêlos nossos trabalhos. Eles se acham associados aos Espíritos de
Luz incumbidos de dirigir o grande movimento de renovação moral e intelectual tão
necessário na hora presente! com todas as nossas forças, apelemos agora para
eles. Que esses amigos nos espirem.”
Como vimos Gabriel Delanne tornou-se um Espírita
completo.
Desencarnou, em 15 de fevereiro de 1925, justamente
quando ia escrever, para o “Bulletin” da União Espirita francesa, mais uma das suas eloqüentes
páginas de saudação a todos os Espíritas franceses, de maneira que esses periódico,
em vez de seu costumeiro artigo, trouxe, nesse mês de fevereiro, em sua
primeira página, o necrológico do gigante do Espiritismo científico, que também
foi membro do Comité do cerebre “ Instituto de Metapsíquico
Internacional e apreciado conferencista.
O depoimento de Jean Meyer (o grande amigo de Allan
Kardec, o homem que em 1919 criou, em Paris, o Instituto Metapsiquico Internacional e a União Espirita Francesa) no
seguinte trecho do discurso que pronunciou em Londres, quando do Congresso Espírita
Internacional de 1928:
“Relembrando a memória de
Leon Denis, não poderei olvidar a de Gabriel Delanne, Presidente da União Espírita
Francesa e da Sociedade Francesa de Estudos dos Fenômenos Psíquicos. Ele era,
como Léon Denis, membro de honra da Federação Espírita Internacional. Até o último
alento, foi um trabalhador incansável, sendo muito importante para o
Espiritismo a sua contribuição, pois seus escritos, e com justiça, são
considerados com os de Allan Kardec, Léon
Denis e Bozzano, clássicos do Espiritualismo moderno.”
Todos os anos no domingo mais próximo do dia 31 de março,
data da desencarnação de Allan Kardec, os espiritistas franceses prestam ao
mesmo, diante de seu túmulo, no Pére-Lachalse, sentidas homenagens, fazendo-se
então ouvir os mais destacados representantes do Movimento espírita de França.
E sempre após essa cerimônia simples e toda espiritual,
os presentes , conforme é de tradição, se encaminham par um outro sepulcro,
situado pouco adiante: é onde jazem os
despojos do grande admirador de Kardec - Gabriel Delanne. Ai, um que outro
orador dirige a esse Espírito palavras de reconhecimento, exaltando-lhe a
relevante obra e os incontestáveis méritos.
Gabriel Delanne dedicou toda a sua vida à propagação do
Espiritismo, pelo qual se sacrificou inutilmente aos olhos daqueles que só vêem no imediatismo a verdadeira razão do
viver humano e por isso não podem compreender que, por força desse desprezo pelas
vaidades e ambições terrenas, ele se cobriu com os louros espirituais de um
trabalho bem conduzido, sem vacilações e fielmente executado até seu derradeiro
instante de vida corpórea.
Fonte: O Reformador - Ano 95 - dezembro 1977 - N º 1.785
- Página 376 à 384 ).
RHEDAM.
(rhedam@gmail.com)
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