VOZES DE UMA SOMBRA.
Donde venho? Das eras
remotíssimas,
Das substâncias
elementaríssimas,
Emergido das cósmicas
matérias.
Venho dos invisíveis
protozoários,
De confusão dos seres
embrionários,
Das células primevas,
das bactérias.
Venho da fonte eterna
das origens,
No turbilhão de todas as
vertigens,
Em mil transformações, fundas
e enormes;
Do silêncio da mônada
invisível,
Do tetro e fundo abismo,
negro e horrível,
Vitalizando corpos
multiformes.
Sei que evolvi e sei que
sou oriundo
Do trabalho telúrico do
mundo,
Da Terra no vultuoso e
imenso abdômem;
Sofri, desde as intensas
torpitudes
Das larvas microsópicas
e rudes,
À infinita desgraça de
ser homem.
Na Terra, apenas fui
terrível presa,
Simbiose da dor e da
tristeza,
Durante penosíssimos
minutos;
A dor, essa tirânica
incendiária,
Abatia-me a vida
solitária
Como se eu fora bruto
entre os mais brutos.
Depois, voltei desse
laboratório,
Onde me revolvi como
infusório,
Como animáculo medonho,
obscuro,
Té atingir a evolução
dos seres
Conscientes de todos os
deveres,
Descortinando as luzes
do futuro.
E vejo os meus
incógnitos problemas
Iguais a horrendos e
fatais dilemas,
Enigmas insolúveis e
profundos;
Sombra egressa de lousa
dura e fria,
Grito ao mundo o meu grito que se alia
A todos os anseios
gemebundos: -
“Homem! Por mais que
gastes teus fosfatos
Não saberás, analisando
os fatos,
Inda que desintegres energias,
A razão do completo e do
incompleto,
Como é que um homem se
transforma o feto
Entre os duzentos e
setenta dias.
A flor da laranjeira, a
asa do inseto,
Um estafermo e um Tales
de Mileto,
Como existiram, não
perceberás;
E nem compreenderás como
se opera
A mutação do inverno em
primavera,
E
a transubstanciação da guerra em paz;
Como vivem o novo e
obsoleto,
O ângulo obtuso e o
ângulo reto
Dentro das linhas da
Geomatria;
A luz de Miguel Ângelo
nas artes,
E o espírito profundo de
Descartes
No
eterno estudo da Filosofia.
Porque existem as
crinaças e os macróbios,
Nas coletividades dos
micróbios
Que fazem a vida enferma
e a vida sã;
Os antigos remédios
alopatas
E as modernas dosagens
homeopatas,
Produto da experiência
de Hahnemann.
A psíquico-análise
freudiana
Tentando aprofundar a
alma humana
Com a mais
requintadíssima vaidade,
E as teorias do
espiritualismo
Enchendo
os homens todos de otimismo,
Mostrando as luzes da
imortalidade.
Como vive o canário
junto ao corvo,
O céu iluminado, o
inferno torvo
Nos absconsos refolhos
da consciência;
O laconismo e a
prolixidade,
A atividade e a
inatividade,
A noite da ignorância e
o sol da Ciência.
As epidermes e as
aponevroses,
As grandes atonias e as
nevroses,
As atrações e as grandes
repulsões,
Que reunindo os átomos
no solo
Tecem evolução de pólo a
pólo,
Em prodigiosas
manifestações;
Como os degenerados
blastodermas
Criam a descendência dos
palermas
No lupanar das pobres
meretrizes,
Junto dos palacetes
higiênicos,
Onde entre gozos
fúlgidos e edênicos
Cresce a alegre progênie
dos felizes.
Os lombricóides mínimos,
os vermes,
Em contraposição com os
paquidermes,
Assombrosas antíteses no
mundo;
É o gigante e o germe
originário,
Os milhões de
corpúsculos do ovário,
Onde há somente um óvulo
fecundo.
A alma pura do Cristo e
a de Tibério,
Vaso de carne podre, o
cemitério,
E o jardim rescendendo
de perfumes;
O doloroso e tetro
cataclismo
Da beleza louçã do
organismo,
Repleto de dejetos e de
estrumes.
As coisas sustâncias e
as coisas ocas,
As idéias conexas e as
loucas,
A teoria cristã e
Augusto Comte;
E o desconhecido e o
devassado,
E o que é ilimitado e o
limitado
Na óptica ilusória do
horizonte.
Os terrenos povoados e o
deserto,
Aquilo que está longe e
o que está perto;
O que não tem sinal e o
que tem marca;
A funda simpatia e
antipatia,
As atrofias e a
hipertrofia,
Como as tuberculoses e a
anasarca.
Os fenômenos todos
geológicos,
Psíquicos, científicos,
sociológicos,
Que inspiram pavor e
inspiram medo;
Homem! Por mais que a
idéia tua gastes,
Na solução de todos os
contrastes,
Não saberás o cósmico
segredo.
E apesar da teoria mais
abstrusa
Dessa ciência inicial,
confusa,
A que se acolhem míseros
ateus,
Caminharás lutando além
da cova,
Para a Vida que eterna
se renova,
Buscando as perfeições
do amor em Deus”.
AUGUSTO
DOS ANJOS.
PARAIBANO. Nasceu em
1884 e desencarnou em 1914, na Cidade de Leopoldina, Minas. Era professor no
Colégio Pedro II. Inconfundível pela bizarria da técnica, bem como dos assuntos
de sua predileção, deixou um só livro – Eu – que foi, aliás, suficiente para
lhe dar personalidade original.
Fonte: PARNASO DE ALÉM - TÚMULO -
CÁRMEN CINIRA e outros autores - Chico Xavier- Editora FEB. Rio de Janeiro RJ -
1935.
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