O ESTUDO SOBRE A
NATUREZA DO CRISTO V.
§
V — DUPLA NATUREZA DE JESUS
Poder-se-ia objetar que, em virtude da dupla natureza de Jesus,
suas palavras exprimiam seu sentir como homem e não como Deus. Sem, neste
momento, examinarmos por que encadeamento de circunstâncias chegaram, muito mais
tarde, à hipótese dessa dupla natureza, admitamo-la, por um instante, e vejamos
se, em vez de elucidar a questão, ela não a complica ainda mais, ao ponto de
torná-la insolúvel.
O que, em Jesus, haveria de humano era o corpo, a parte
material. Deste ponto de vista, compreende-se que ele haja podido sofrer e
tenha mesmo sofrido como homem.
A alma, o Espírito, a mente, numa palavra, a parte espiritual do
Ser é o que haveria nele de divino. Se ele sentia e sofria como homem, como
Deus é que pensaria e falaria.
Falava como homem ou como Deus? Eis uma questão importante, pela
autoridade excepcional dos seus ensinamentos.
Se falava como homem, suas palavras são passíveis de controvérsia;
se falava como Deus, são indiscutíveis e temos de aceitá-las e de com elas
conformar-nos, sob pena de deserção e de heresia. O mais ortodoxo será aquele
que mais se aproximar delas.
Dir-se-á que, sob o seu envoltório corporal, Jesus não tinha
consciência da sua natureza divina? Mas, se fosse assim, ele não teria, sequer,
pensado como Deus, sua natureza divina houvera permanecido em estado
latente; só a natureza humana teria presidido à sua missão, aos seus atos
morais, como aos seus atos materiais. É, pois, impossível abstrair-se da sua
natureza divina durante a sua vida, sem se lhe enfraquecer a autoridade.
Mas, se ele falou como Deus, por que esse incessante protesto
contra a sua natureza divina que, em tal caso, ele não podia ignorar? Ter-se-ia
então enganado, o que seria pouco divino, ou teria cientemente enganado o
mundo, o que ainda o seria menos. Parece-nos difícil sair desse dilema.
Se se admitir que falou ora como homem, ora como Deus, a questão
se complica, pela impossibilidade de distinguir- se o que vinha do homem e o
que procedia de Deus.
Dado que ele tivesse motivos para dissimular sua verdadeira natureza
durante a missão que desempenhava, o meio mais simples teria sido não falar
dela, ou exprimir-se, como o fez noutras circunstâncias, de modo vago e
parabólico, sobre os pontos cujo conhecimento estava reservado ao futuro. Ora,
este não é aqui o caso, pois que as palavras acima nenhuma ambigüidade
apresentam.
Enfim, se, apesar de todas estas considerações, ainda se pudesse
supor que, quando vivo, ele ignorava a sua verdadeira natureza, outro tanto já
não se pode admitir se desse, depois da sua ressurreição, visto que, quando
aparece a seus discípulos, já não é o homem quem fala, é o Espírito desprendido
da matéria, que já havia de ter recobrado a plenitude de suas faculdades
espirituais e a consciência do seu estado normal, da sua identificação com a divindade.
Entretanto, foi então que disse: Subo para meu Pai e vosso Pai, para o meu
Deus e vosso Deus!
A subordinação de Jesus é ainda indicada pela sua qualidade
mesma de mediador, que implica a existência de uma pessoa distinta. É ele quem
intercede junto a seu Pai; quem se oferece em sacrifício para remissão dos
pecadores.
Ora, se ele é o próprio Deus, ou se fosse em tudo igual a
este, não precisaria interceder, porquanto ninguém intercede junto a si mesmo.
ALLAN
KARDEC.
Fonte: O Livro “OBRAS PÓSTUMAS”, - Allan Kardec –27 a.
Edição. –Instituto de Difusão Espírita , - Araras, SP. – Maio 2012.
Nenhum comentário:
Postar um comentário