SEGUNDA
PARTE.
CAPÍTULO XIV.
DOS
MÉDIUNS
162.
A razão se revolta à lembrança das torturas morais e corporais a
que a ciência tem por vezes sujeitado criaturas fracas e delicadas, para se
certificar da existência de fraude da parte delas. Tais experimentações,
amiúde feitas maldosamente, são sempre prejudiciais às organizações sensitivas,
podendo mesmo dar lugar a graves desordens na economia orgânica. Fazer
semelhantes experiências é brincar com a vida. O observador de boa-fé não
precisa lançar mão desses meios. Aquele que está familiarizado com os fenômenos
desta espécie sabe, aliás, que eles são mais de ordem moral, do que de ordem
física e que será inútil procurar-lhes uma solução nas nossas ciências exatas.
Por isso mesmo que tais fenômenos são mais de ordem moral,
deve-se evitar com escrupuloso cuidado tudo o que possa sobre excitar a
imaginação. Sabe-se que de acidentes pode o medo ocasionar e muito menos
imprudências se cometiam, se conhecessem todos os casos de loucura e de epilepsia,
cuja origem se encontra nos contos de lobisomens e papões. Que não será, se se
generalizar a persuasão de que o agente dos aludidos fenômenos é o diabo?
Os que espelham semelhantes idéias não sabem a responsabilidade que assumem: podem
matar. Ora, o perigo não existe apenas para o paciente, mas também para os
que o cercam, os quais podem ficar aterrorizados, ao pensarem que a casa onde
moram se tornou um covil de demônios. Esta crença funesta é que foi causa de
tantos atos de atrocidade nos tempos de ignorância. Entretanto, se houvesse um
pouco mais de discernimento, teria ocorrido aos que os praticaram que não
queimavam o diabo, por queimarem o corpo que supunham possesso do diabo. Desde
que do diabo é que queriam livrar-se, ao diabo é que era preciso matassem.
Esclarecendo-nos sobre a verdadeira causa de todos esses fenômenos, a Doutrina
Espírita lhe dá o golpe de misericórdia.
Longe, pois, de concorrer para que tal idéia se forme,
todos devem, e este é um dever de moralidade e de humanidade, combatê-la onde
exista.
O que há a fazer-se, quando uma faculdade dessa natureza se
desenvolve espontaneamente num indivíduo, é deixar que o fenômeno siga o seu
curso natural: a Natureza é mais prudente do que os homens. Acresce que a
Providência tem seus desígnios e aos maiores destes pode servir de instrumento
a mais pequenina das criaturas. Porém, forçoso é convir, o fenômeno assume por
vezes proporções fatigantes e importunas para toda gente. Eis, então, o que um
dos fatos mais extraordinários desta natureza, pela variedade e singularidade
dos fenômenos, é, sem contestação, o que ocorreu em 1852, no Palatinado
(Baviera renana), em Bergzabern, perto de Wissemburg. É tanto mais notável,
quanto denota, reunidos no mesmo indivíduo, quase todos os gêneros de
manifestações espontâneas: estrondos de abalar a casa, derribamento dos móveis arremesso
de objetos ao longe por mãos invisíveis, visões e aparições, sonambulismo,
êxtase, catalepsia, atração elétrica, gritos e sons aéreos, instrumentos
tocando sem contacto, comunicações inteligentes, etc. e, o que não é de somenos
importância, a comprovação destes fatos, durante quase dois anos, por inúmeras
testemunhas oculares, dignas de crédito pelo saber e pelas posições sociais que
ocupavam. A narração autêntica dos aludidos fenômenos foi publicada, naquela
época, em muitos jornais alemães e, especialmente, numa brochura hoje esgotada
e raríssima. Na Revue Spirite de 1858 se encontra a tradução completa
dessa brochura, com os comentários e explicações indispensáveis. Essa, que
saibamos, é a única publicação feita em francês do folheto a que nos referimos.
Além do empolgante interesse que tais fenômenos despertam,
eles
são eminentemente instrutivos, do ponto de vista do estudo prático do
Espiritismo. em todos os casos importa fazer-se. No capítulo V — Das
manifestações físicas espontâneas, já demos alguns conselhos a este
respeito, dizendo ser preciso entrar em comunicação com o Espírito, para dele saber-se
o que quer. O meio seguinte também se funda na observação.
Os seres invisíveis, que revelam sua presença por efeitos sensíveis,
são, em geral, Espíritos de ordem inferior e que podem ser dominados pelo
ascendente moral. A aquisição deste ascendente é o que se deve procurar.
Para alcançá-lo, preciso é que o indivíduo passe do estado de médium
natural ao de médium voluntário. Produz-se, então, efeito análogo ao
que se observa no sonambulismo.
Como se sabe, o sonambulismo natural cessa geralmente, quando
substituído pelo sonambulismo magnético. Não se suprime a faculdade, que tem a
alma, de emancipar-se; dá-se-lhe outra diretriz. O mesmo acontece com a
faculdade mediúnica. Para isso, em vez de pôr óbices ao fenômeno, coisa que
raramente se consegue e que nem sempre deixa de ser perigosa, o que se tem de
fazer é concitar o médium a produzi-los à sua vontade, impondo-se ao Espírito.
Por esse meio, chega o médium a sobrepujá-lo e, de um dominador
às vezes tirânico, faz um ser submisso e, não raro, dócil. Fato digno de nota e
que a experiência confirma é que, em tal caso, uma criança tem tanta e, por vezes,
mais autoridade que um adulto: mais uma prova a favor deste ponto capital da
Doutrina, que o Espírito só é criança pelo corpo; que tem por si mesmo um desenvolvimento
necessariamente anterior à sua encarnação atual, desenvolvimento que lhe pode
dar ascendente sobre Espíritos que lhe são inferiores.
A moralização de um Espírito, pelos conselhos de uma terceira
pessoa influente e experiente, não estando o médium em estado de o fazer,
constitui freqüentemente meio muito eficaz. Mais tarde voltaremos a tratar
dele.
Fonte, “Livro dos Médiuns“, Allan Kardec, da 18º. edição, abril de 1991, do
Instituto de Difusão Espírita de Araras, SP.
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