“É
através da oração, a Bênção Divina te fará perceber onde guardas também contigo
a brecha triste do lado fraco.“
EMMANUEL
A
PRECE
A
Prece deve ser uma expansão íntima da alma para com Deus, um colóquio
solitário, uma meditação sempre útil, muitas vezes fecunda. É, por excelência,
o refúgio dos aflitos, dos corações magoados.
Nas
horas de acabrunhamento, de pesar íntimo e de desespero, quem não achou na
prece à calma, o reconforto e o alivio de seus males? Um diálogo misterioso se
estabelece entre alma sofredora e potência evocada. A alma expõe suas
angústias, seus desânimos: implora socorro, apoio, indulgência, uma voz secreta
responde; é a voz d’Áquele donde dimana toda a força para as lutas deste mundo,
todo o bálsamo para as nossas feridas, toda a luz para as nossas incertezas. E
essa voz consola, reanima, persuade; traz-nos a coragem, a submissão, a
resignação estóica. E então nos erguemos menos tristes, menos atormentados; um
raio de sol divino luziu em nossa alma, fez despontar nela a esperança.
Há
homens que desdenham a prece, que a acham banal e ridícula. Esses jamais
oraram, ou talvez nunca tenham sabido orar. Ah! sem dúvida, se só se trata de
padre-nossos proferidos sem convicção, de responsos tão vãos quanto
intermináveis, de todas essas orações classificadas e numeradas, que os lábios
balbuciam, mas nas quais o coração não toma parte, pode-se compreender tais
críticas; porém nisso não consiste a prece. A prece é uma elevação acima de
todas as coisas terrestre, um ardente apelo às potências superiores, um
impulso, um vôo para as regiões que não são perturbadas pelos murmúrios, pelas
agitações do mundo material e onde o ser bebe as inspirações que lhe são necessárias.
Quanto maior for o seu alcance, tanto mais sincero é seu apelo, tanto mais
distintas e esclarecidas se revelam as harmonias, as vozes, as belezas dos
mundos superiores. É como uma janela que se abre para o Invisível, para o
Infinito, e pela qual ela percebe mil impressões consoladoras e sublimes.
Impregna-se, embriaga-se e retempera-se nessas impressões, como num bando
fluídico e regenerador.
Nos
colóquios da alma com a Potência suprema a linguagem não deve ser preparada ou
organizada com antecedência; sobretudo não deve ser fórmula, cujo tamanho é
proporcional ao seu importe monetário, pois isso seriam uma profanação e quase
um sacrilégio. A linguagem da prece deve variar, segundo as necessidades,
segundo o estado do espírito humano. É um grito, um lamento, uma efusão, um
cântico de amor, um manifesto de adoração, ou um exame de seus atos, um
inventário moral que se faz sob a vista de Deus, ou ainda um simples
pensamento, uma lembrança, um olhar erguido para o céu.
Não
há horas para prece. Sem dúvida, é conveniente elevar-se o coração a Deus no
começo e no fim do dia. Mas, se vos sentirdes indispostos, não ore; é melhor
não fazer nenhuma prece do que orar somente pelos lábios.
Em
compensação, quando sentirdes vossa alma enternecida, agitada por um sentimento
profundo, pelo espetáculo do infinito, deveis fazer a prece, mesmo que seja à
beira dos oceanos, sob a claridade do dia, ou debaixo da cúpula brilhante das
noites; no meio dos campos e dos bosques sombreados, no silêncio das florestas,
pouco importa; é grande e boa toda causa que, produzindo lágrimas em nossos
olhos ou dobrando os nossos joelhos, faz também irromper do nosso coração um
hino de amor, um brado de admiração para com a Potência eterna que guia os
nossos passos por entre os abismos.
Seria
um erro julgar que tudo podemos obter pela prece, que sua eficácia é assaz
grande para desviar as provações inerentes à vida. A lei de imutável justiça
não se curva aos nossos caprichos. Os males que desejaríamos afastar de nós são
muitas vezes a condição necessária do nosso progresso. Se fossem suprimidos, o
efeito disso seria tornar estéril a nossa vida. De outro modo, como poderia
Deus atender a todos os desejos que os homens exprimem nas suas preces? À maior
parte destes seria incapaz de discernir o que convém, o que é proveitoso.
Alguns pedem a fortuna, ignorando que esta, dando um vasto campo para as suas
paixões, seria uma desgraça para eles.
Na
prece que diariamente dirige ao Eterno, o sábio não pede que o seu destino seja
feliz; não deseja qual a dor, as decepções, os reveses lhe sejam afastados.
Não! o que ele implora é o conhecimento da lei para poder melhor cumpri-la; o
que ele solicita é o auxílio do Altíssimo, o socorro dos Espíritos benévolos, a
fim de suportar dignamente os maus dias. E os bons Espíritos respondem ao seu
apelo. Não procuram desviar o curso da justiça ou entravar a execução dos
decretos divinos. Sensíveis aos sofrimentos humanos, que conheceram e
suportaram, eles trazem a seus irmãos da Terra a inspiração que os sustém
contra as influências materiais; favorecem esses nobres e salutares
pensamentos, esses impulsos do coração que, levando-os para altas regiões, os
libertam das tentações e das armadilhas da carne. A prece do sábio, feita com
recolhimento profundo, isolada de toda a preocupação egoísta, desperta essa
intuição do dever, esse superior sentimento do verdadeiro, do bem e do justo,
que o guiam através das dificuldades da existência e o mantém em comunicação
íntima com a grande harmonia universal.
Mas,
a potência soberana não só representa a justiça; é também a bondade, imensa,
infinita e caritativa. Ora, por que não obteríamos por nossas preces tudo o que
a bondade pode conciliar com a justiça? Podemos pedir apoio e socorro nas
ocasiões da angústia, mas somente Deus pode saber o que é mais conveniente para
nós e, na falta daquilo que lhe pedimos, nos enviara proteção fluídica e
resignação.
Logo
que uma pedra fende as águas, vêem-se as superfícies destas vibrar em
ondulações concêntricas. Assim também o fluído universal vibra pelas nossas
preces e pelos nossos pensamentos, com a diferença de que a vibração das águas
é limitada, enquanto que a do fluído universal se sucede ao infinito. Todos os
seres, todos os mundos estão banhados nesse elemento, assim como nós o estamos
na atmosfera terrestre. Dai resulta que o nosso pensamento, quando é atuado por
grande força de impulsão, por sua vontade perseverante, vai impressionar as
almas a distâncias incalculáveis. Uma corrente fluídica se estabelece entre
umas as outras e permite que os Espíritos elevados nos influenciem e respondam
aos nossos chamados, mesmo que estejam nas profundezas do espaço.
Também
sucede o mesmo com todas as almas sofredoras. A prece opera nelas qual
magnetização à distância. Penetra através dos fluidos espessos e sombrios que
envolvem os espíritos infelizes; atenua suas magoas e tristezas. É a flecha
luminosa, a flecha de ouro rasgando as trevas. É a vibração harmônica que
dilata e rejubila a alma oprimida. Quanta consolação para esses Espíritos ao
sentirem que não estão abandonados, quando vêem seres humanos se interessando
ainda por sua sorte! Sons, alternativamente poderosos e ternos, se elevam como
um cântico na extensão e repercutem com tanto maior intensidade quanto mais
amorosa for à alma donde emanam. Chegam até eles, comovem-nos e penetram
profundamente. Essa voz longínqua e amiga lhes dá a paz, a esperança e a
coragem. Se pudéssemos avaliar o efeito produzido por uma prece ardente, por
uma vontade generosa e enérgica sobre os desgraçados, os nossos votos seriam
muitas vezes a favor dos deserdados, dos abandonados do espaço, desses em quem
ninguém pensa e que estão mergulhados em sombrio desânimo.
Orar
pelos Espíritos infelizes, orar com compaixão, com amor, é uma das formas mais
eficazes de caridade. Todos podem exercê-las, todos podem facilitar o
desprendimento das almas, abreviarem o tempo de perturbação por que eles passam
depois da morte, atuando por um impulso caloroso do pensamento, por uma
lembrança benévola e afetuosa. A prece facilita a desagregação corporal, ajuda
o Espírito a libertar-se dos fluídos grosseiros que o ligam à matéria. Sob a
influência das ondulações magnéticas projetadas por uma vontade poderosa, o
torpor cessa, o Espírito se reconhece e se assenhoreia a si próprio.
A prece por outrem, pelos nossos
parentes, pelos infortunados e enfermos, quando feita com sentimentos sinceros
e fé ardente, pode também produzir efeitos salutares. mesmo quando as leis do
destino lhes são um obstáculo, quando a provação deve ser cumprida até o fim, a
prece não é inútil. Os fluídos benéficos que traz em si acumulam para, no
momento da morte, recair sobre o perispírito do ser amado.
“Reuni-vos
para orar”, disse o apóstolo Paulo. A prece feita em comum é um feixe de
vontades, de pensamentos, raios, harmonias e perfumes, que se dirige mais
poderosamente ao seu alvo. Pode adquirir uma força irresistível, uma força
capaz de agitar, de abalar as massas fluídicas. Que alavanca poderosa para a
alma entusiasta, que dá ao seu impulso tudo quanto há de grandioso, de puro e
de elevado em si! Nesse estado, seus pensamentos irrompem como corrente
impetuosos, de abundantes e potentes eflúvios. Tem-se visto, algumas vezes, a
alma em prece, desprender-se do corpo e inebriada pelo êxtase, seguir o pensamento
fervoroso que se projetou como seu precursor sobre o infinito. O homem traz em
si um motor, incomparável, de que apenas sabe tirar medíocre proveito.
Entretanto, para fazê-lo agir bastam duas coisas: a fé e a vontade.
Considerada
sob tais aspectos, a prece perde todo o caráter místico. O seu alvo não é mais
a obtenção de uma graça, de um favor, mas sim a elevação da alma e as relações
desta com as potências superiores, fluídicas e morais. A prece é o pensamento
inclinado para o bem, são o fio luminoso que liga os mundos obscuros aos mundos
divinos, os Espíritos encarnados às almas livres e radiantes. Desdenhá-la seria
desprezar a única força que nos arranca ao conflito das paixões e dos
interesses, que nos transporta acima das coisas transitórias e nos une ao que é
fixo permanente e imutável no Universo.
Em
vez de repelirmos a prece, por causa dos abusos ridículos e odiosos de que foi
objeto, não será melhor nos utilizarmos dela com critério e medida? É com
recolhimento e sinceridade, é com sentimento que se deve orar. Evitemos as
fórmulas banais usadas em certos meios. Nessas espécies de exercícios
espirituais, apenas a nossa boca se move, pois a alma se conserva muda. No fim
de cada dia, antes de nos entregarmos ao repouso, perscrutemos a nós mesmos, examinemos
cuidadosamente as nossas ações. Saibamos condenar o que foi mau, a fim de o
evitarmos, e louvemos o que melhor foi feito de bom e útil. Solicitemos a
Sabedoria Suprema que nos ajude a realizar em nós e ao nosso redor a beleza
moral e perfeita. Longe das coisas mundanas, elevemos os nossos pensamentos.
Que nossa alma se eleve alegre e amorosa para o Eterno. Ela descerá então
dessas alturas com tesouros de paciência e de coragem, que tornarão fácil o
cumprimento dos seus deveres e da sua tarefa de aperfeiçoamento.
E se,
em nossa incapacidade para exprimir os sentimentos, é absolutamente necessário
um texto, uma fórmula, digamos:
“Meu
Deus, vós que sois grandes, que sois tudo, deixai cair sobre mim, humilde,
sobre mim que não existo senão pela vossa vontade, um raio de divina luz. Fazei
que, penetrado do vosso amor, me seja fácil fazer o bem o que eu tenha aversão
do mal; que animado pelo desejo de vos agradar, meu espírito vença os
obstáculos que se opõem à vitória da verdade sobre o erro da fraternidade sobre
o egoísmo; fazei que, em cada companheiro de provações, eu veja um irmão, assim
como vedes um filho em cada um dos seres que de vós emanam e para vós devem
voltar. Dai-me o amor do trabalho, que é o dever de todos sobre a Terra, e, com
auxilio do archote que colocaste ao meu alcance, esclarecei-me sobre as
imperfeições que retardam meu adiantamento nesta vida e na vindoura.“
Unamos
nossas vozes às do infinito. Tudo ora, tudo celebra a alegria de viver, desde o
átomo que se agita na Lua até o Astro imenso que flutua no éter. A adoração dos
seres forma um concerto prodigioso que se expande no espaço e sobe a Deus. É a
saudação dos filhos ao Pai, é a homenagem prestada pelas criaturas ao Criador.
Interrogai a Natureza no esplendor dos dias de sol, na calma das noites
estreladas. Escutem as grandes vozes dos oceanos, os murmúrios que se elevam no
seio dos desertos e da profundeza dos bosques, os acentos misteriosos que
desprendem da folhagem repercutem nos desfiladeiros solitários, sobem as
planícies, os vales, franqueiam as alturas e espalham-se pelo Universo. Por
toda parte, em todos os lugares, considerando, ouvireis o cântico admirável que
a Terra dirige à grande Alma. Mais solene ainda é a prece dos mundos, o canto
suave e profundo que faz vibrar a imensidade e cuja significação sublime
somente os Espíritos elevados podem compreender.
Fonte:“Depois da Morte -
Leon Denis- FEB. (6)
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