RECORDANDO.
Meu
Deus, deixai que eu me esqueça
Da
minha vida de agora,
Que
apenas o meu passado
Eu
possa alegre rever;
Deixai
que me identifique
Com
os raios da luz de outrora,
Daquela
risonha aurora
Do
meu passado viver.
Que
eu sinta de novo a vida
Na
infância linda e ditosa,
Na
alegria inalterável
Do
lugar onde nasci;
Quero
rever novamente
A
paisagem luminosa,
Sentir
a emoção grandiosa
De
tudo o que já senti!...
Ah!
que eu possa hoje olvidar
Imensidades,
esferas,
Concepções
mais perfeitas
No
progresso que alcancei;
Que
das ruínas, dos escombros,
Minhalma
retire as heras,
E
contemple as primaveras
Da
vida que já deixei.
Quero
aspirar os perfumes
Dos
cendais cheios de flores,
Na
fresca sombra dos vales,
Sob
a luz do céu de anil!
Rever
o sítio encantado
Da
minha estância de amores,
Meus
sonhos encantadores,
Minha
terra, meu Brasil!
Escutar
os sinos calmos
Sob
a alvura das capelas,
Enchendo
as longes devesas,
De
convites à oração;
Sentar-me
no prado agreste,
Beijar
as flores singelas,
Mirar
a luz das estrelas,
Ouvir
a voz da amplidão!
Correr
sob o sol-nascente
Até
que chegue o luar,
Procurando
os passarinhos
E
as borboletas tafuis;
Que
esperança, que ventura!
Viver,
sofrer, e amar
A campina,
o Sol, o mar,
Campos
verdes, céus azuis
Ser
homem e ser criança,
Toucar-se
a alma das galas
Da
poesia inexprimível,
Da
alvorada e do arrebol...
Oh!
Natureza da Terra,
Que
tesouros não exalas,
Na
carícia dessas falas
Do
passarinho e do Sol!
Eu
gozo de quando em quando,
Revendo
essa claridade,
Da
existência transcorrida
Guardada
no coração;
E
dos cimos desta vida,
Na
excelsa Imortalidade,
Verto
prantos de saudade
A
luz da recordação.
Casimiro de Abreu
POETA fluminense, desencarnou aos 18 de outubro de
1860, na Fazenda de Indaiaçu, no então município de Barra de São João, hoje
denominado Casimiro de Abreu, com 21 anos de idade, acometido de tuberculose
pulmonar. Figura literária das mais típicas do seu tempo, o autor malogrado de Primaveras
ainda aqui se afirma no seu profundo quão suave nativismo lírico. Suas composições
possuem “um saboroso estilo colorido, sensível e personalíssimo” – disse Ronald
de Carvalho.
Fonte: PARNASO DE ALÉM - TÚMULO -
AUTORES DIVERSOS. - Chico Xavier- Editora FEB. Rio de Janeiro RJ - 1935.
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