A MORTE.
No
extremo pólo da vida
Diz
a Morte: – “Humanidade,
Sou
a espada da Verdade
E
a Têmis do mundo sou;
Sou
balança do destino,
O
fiel desconhecido,
Lanço
Cômodo no olvido
E
aureolo a fronte de Hugo!
O
cronômetro dos séculos
Não
me torna envelhecida;
Sou
morte – origem da vida,
Prêmio
ou gládio vingador.
Sou
anjo dos desgraçados
Que
seguem na Terra errantes,
Desnorteados
viajantes
Dos
Niágaras da dor!
Também
sou braço potente
Dos
déspotas e opressores,
Que
trazem os sofredores
No
jugo da escravidão;
Aos
bons, sou compensação,
Consolo
e alívio aos precitos,
E
nos maus aumento os gritos
De
dores e maldição.
Sepultura
do presente,
Do
porvir sou plenitude,
Da
alegria sou saúde
E
do remorso o amargor.
Sou
águia libertadora
Que
abre, sobre as descrenças,
O
manto das trevas densas,
E
sobre a crença o esplendor.
Desde
as eras mais remotas
Coso
láureas e mortalhas,
E
sobre a dor das batalhas
Minha
asa sempre pairou;
Meu
verbo é a lei da Justiça,
Meu
sonho é a evolução;
Meu
braço – a revolução,
Austerlitz
e Waterloo.
Homem,
ouve-me; se às vezes
Simbolizo
a guilhotina,
Minha
mão abre a cortina
Que
torna o mistério em luz;
E
por trabalhar com Deus,
Na
absoluta eqüidade,
Sou
prisão ou liberdade,
Nova
aurora ou nova cruz.
Se
o cristal que imita o céu
Da
consciência tranqüila
É
o luzeiro que cintila
Na
noite do teu viver,
Oásis
– dou-te o repouso,
Estrela
– estendo-te lume,
Flor
– oferto-te perfume,
Luz
da vida – dou-te o ser!
Mas,
também se a tirania
Arvora-se
em lei na Terra,
Eu
mando a noite da guerra
Fazer
o sol do porvir;
Arremesso
a minha espada,
Ateio
fogo aos canhões,
Faço
cair as nações
Como
fiz Roma cair.
Foi
assim que fiz um dia,
Ao
ver o trono imperfeito
Estrangulando
o Direito;
Busquei
Danton, Mirabeau...
E
junto ao vulto de Têmis
Tomei
o carro de Jove,
E
fiz o Oitenta e Nove
Quando
a França me ajudou.
Então,
implacavelmente,
Fiz
a Europa ensangüentada
Ajoelhar-se
humilhada,
Diante
de tanto horror.
Das
cidades fiz ossuários,
Dos
campos Saaras ardentes,
Trucidei
réus inocentes,
Apaguei
a luz do amor,
Até
que um dia o Criador
Sempre
amoroso e clemente,
Que
jamais teve presente,
Nem
passado nem porvir,
Bradou
do cume dos céus
Num
grito piedoso e forte:
“Não
prossigas! Basta, Morte,
Agora
é reconstruir.”
Portanto,
homem, se tens
Por
bússola o Bem na vida,
Olha
o Sol de fronte erguida,
Espera-me
com fervor.
Abrir-te-ei
meus tesouros,
Serei
tua doce amante,
Cujo
seio palpitante
Guardar-te-á
– paz e amor.
Se
às vezes se te afigura
Que
sou a foice impiedosa,
Horrenda,
fria, orgulhosa,
Que
espedaça os teus heróis,
Verás
que sou a mão terna
Que
rasga abismos profundos,
E
mostra biliões de mundos,
E
mostra biliões de sóis.
Conduzo
seres aos Céus,
À
luz da realidade;
Sou
ave da liberdade
Que
ao lodo da escravidão
Venho
arrancar os espíritos,
Elevando-os
às alturas:
Dou
corpos às sepulturas,
Dou
almas para a amplidão!”
A
Morte é transformação,
Tudo
em seu seio revive:
Esparta,
Tebas, Nínive,
Em
queda descomunal,
Revivem
na velha Europa;
E
como faz às cidades,
Remodela
humanidades
No
progresso universal.
Castro Alves
POETA baiano, desencarnou a 6 de julho de 1871, com 24
anos de idade. Mocidade radiosa, o autor consagrado de Espumas Flutuantes
exerceu nas rodas literárias do seu tempo a mais justa e calorosa das
projeções. Nesta poesia sente-se o crepitar da lira que modulou – O Livro e a
América.
Fonte: PARNASO DE ALÉM - TÚMULO -
AUTORES DIVERSOS. - Chico Xavier- Editora FEB. Rio de Janeiro RJ - 1935.
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