CONCERNENTES AO ESPIRITISMO.
Manuscrito composto com especial
cuidado por Allan Kardec e do qual nenhum capítulo fora ainda publicado.
9
de outubro de 1861
AUTO-DE-FÉ EM BARCELONA
Esta data ficará assinalada nos anais do Espiritismo, por motivo
do auto-de-fé praticado com os livros espíritas em Barcelona. Eis aqui um
extrato da ata da execução:
“Neste dia, nove de outubro de mil oitocentos e sessenta e um,
às dez horas e meia da manhã, na esplanada da cidade de Barcelona, no local
onde são executados os criminosos condenados ao derradeiro suplício e por ordem
do bispo desta cidade, foram queimados trezentos volumes e brochuras sobre o
Espiritismo, a saber: O Livro dos
Espíritos, por Allan Kardec, etc.”
Os principais jornais da Espanha deram conta minuciosa do fato,
que os órgãos da imprensa liberal do país muito justamente profligaram. É de
notar-se que na França os periódicos liberais se limitaram a mencioná-lo sem comentários.
O próprio Século, tão ardoroso
em estigmatizaros abusos do poder e os menores atos de intolerância doclero,
não achou uma palavra de reprovação para esse ato digno da Idade Média. Alguns
jornais da pequena imprensa acharam mesmo no caso motivo para risota. Pondo de parte
o que diz respeito à crença, havia ali uma questão de princípio, de direito
internacional, que interessava a todo o mundo, sobre a qual não teriam tão
levianamente guardado silêncio, se se tratasse de certas outras obras. Eles não
se furtam de censuras, quando está em causa a simples exigência de uma
estampilha para venda de um livro materialista; ora, o restaurar a Inquisição
as suas fogueiras com a solenidade de outrora, às portas da França, apresentava
bem maior gravidade. Por que, então, semelhante indiferença?
É que estava em jogo uma doutrina a cujos progressos a
incredulidade assiste com pavor. Reivindicar justiça para ela fora
consagrar-lhe o direito à proteção da autoridade e aumentar-lhe o crédito. Seja
como for, o auto-de-fé em Barcelona não deixou de produzir o esperado efeito,
pela repercussão que teve na Espanha, onde contribuiu fortemente para propagar
as idéias espíritas. (Veja-se a Revista
Espírita de novembro de 1861, pág. 321.)
O acontecimento abriu ensejo a muitas comunicações da parte dos
Espíritos. A que se segue foi dada espontaneamente na Sociedade de Paris, a 19
de outubro, quando regressei de Bordéus.
“Fazia-se mister alguma coisa que chocasse com violência certos
Espíritos encarnados, para que se decidissem a ocupar-se com essa grande
doutrina, que há de regenerar o mundo. Nada, para isto, se faz inutilmente na
Terra e nós que inspiramos o auto-de-fé em Barcelona, bem sabíamos que,
procedendo assim, forçávamos um grande passo para frente. Esse fato brutal,
inaudito nos tempos atuais, se consumou tendo por fim chamar a atenção dos
jornalistasque se mantinham indiferentes diante dá agitação profunda que
abalava as cidades e os centros espíritas. Eles deixavam que falassem e
fizessem o que bem entendessem; mas, obstinavam-se em passar por surdos e
respondiam com o mutismo ao desejo de propaganda dos adeptos do Espiritismo. De
bom ou mau grado, hoje falam dele; uns, comprovando o histórico do fato de
Barcelona; outros, desmentindo-o, ensejaram uma polêmica que dará volta ao mundo,
de grande proveito para o Espiritismo. Essa a razão por que a retaguarda da
Inquisição fez hoje o seu último auto-de-fé. É que assim o quisemos.” Um Espírito1
NOTA — De Barcelona enviaram-me
uma aquarela feita in locopor
um artista distinto, representando a cena do auto-de-fé. Mandei fazer do quadro
uma redução fotográfica. Possuo também um pouco de cinza apanhada na fogueira,
onde se encontram fragmentos ainda legíveis de folhas queimadas. Conservei-os
numa urna de cristal. 2
1
Segundo a Revue Spirite,
novembro-1861, p. 325, a mensagem seria de Saint Dominique (São Domingos). Nota
da Editora (FEB) à 14ª edição, em 1975.
2
A Livraria espírita ainda os conserva. Nota da Editora (FEB) à 13ª edição, em
1973: Zêus Wantuil, no artigo “centenário de um auto-de-fé”, em Reformador de 1961, pp. 217/21, informa
que a urna foi destruída pelos nazistas na 2ª Grande Guerra.
ALLAN
KARDEC.
Fonte: O Livro “OBRAS PÓSTUMAS”, - Allan Kardec –27 a.
Edição. –Instituto de Difusão Espírita , - Araras, SP. – Maio 2012.
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