ETERNA VÍTIMA.
Na
silenciosa paz do cimo do Calvário
Ainda
se vê na cruz o Cristo solitário.
Vinte
séculos de dor, de pranto e de agonia,
Represam-se
no olhar do Filho de Maria.
Abandonado
e só na aridez da colina
Sofre
infindo martírio a vítima divina;
Açoitado,
traído e calmo, silencioso,
Da
Terra ao Céu espraia o seu olhar piedoso.
Dois
mil anos de dor, e os seus cruéis algozes
Passaram
sem cessar como chacais ferozes.
Caravanas
de reis nos tronos passageiros,
Exaltados
na voz das trompas dos guerreiros;
Os
lendários heróis no dorso dos corcéis,
Inscrevendo
com fogo as máximas das leis.
Cavalheiros
gentis, valentes brasonados,
Nobres
de sangue azul nos seus mantos dourados.
Viram-no
seminu, na cruz, ensangüentado,
E
puseram-se a rir do louco supliciado!
O
Cristo continuou, humilde e silencioso,
Espraiando
na Terra o seu olhar piedoso.
Sábios
do tempo antigo abrindo os livros santos
Olharam-no
também, partindo como tantos.
Artistas
e histriões, poetas e trovadores,
Castelãs
juvenis, turbas de gozadores
Inda
vieram; depois, aqueles que em seu nome
Espalharam
a treva, o pranto, a guerra e a fome.
Desolação
e horror, mataram-se os irmãos,
Lobos,
tigres, chacais, na capa dos cristãos.
Contemplaram
Jesus no cume da colina,
Multiplicando
a guerra, as lutas e a chacina.
O
Mestre prosseguiu, sublime e silencioso,
Espraiando
na Terra o seu olhar piedoso.
E
na época atual a caravana estranha
Estaca
no sopé da árida montanha;
Mas
os soberbos reis e césares antigos,
Hoje
mais nada são que míseros mendigos;
Os
nobres doutro tempo, agora transformados
Nos
párias do amargor, nos grandes desgraçados,
Agora
vêem, sim, no topo do Calvário,
O
sacrifício e a dor do eterno visionário,
Bradando
com furor: – “Socorre-nos Jesus!
Que
possamos vencer a dor em nossa cruz.
Sorvendo
o amaro fel nas dores da aflição,
Temos
fome de paz e sede de perdão!”
E
o Mestre da bondade, o anjo da virtude,
Estende
o seu perdão cheio de mansuetude.
E
do cimo da cruz, calmo e silencioso,
Consola
a multidão com o seu olhar piedoso.
Guerra Junqueiro
ABILIO Guerra Junqueiro, poeta português, nascido em
1850 e desencarnado em 1923, é assaz conhecido no Brasil como épico dos maiores
da língua portuguesa e admirado por quantos não estimam na Poesia apenas o
malabarismo das palavras, mas o fulgor das idéias. Notável, sobretudo, pela sua
veia combativa e satírica, vemos, por sua produção de agora, que os anos do
além túmulo não lhe alteraram a sadia e lúcida mentalidade, nas mesmas diretrizes.
E esta circunstância é tanto mais notável quando o Romantismo se ufana de uma
irreal conversão ín extremis.
Fonte: PARNASO DE ALÉM - TÚMULO -
AUTORES DIVERSOS. - Chico Xavier- Editora FEB. Rio de Janeiro RJ - 1935.
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