ROMARIA.
(Passeio
matinal)
(Fim da poesia inserta em Poesias
Dispersas.)
Não
sabeis, não sabeis, filhas que adoro tanto,
Calcular
a extensão de tantas amarguras,
Existências
em flor, fustigadas de pranto,
Lírios
no lamaçal das grandes desventuras...
Almas
na escuridão da noite sem aurora,
Corpos
de podridão, urnas de lama e pus,
Anjos
açucenais que a miséria devora,
Pobrezitos
sem pão, esquálidos e nus.
No
entanto, há aroma e luz na beira dos caminhos,
Cantos
de rouxinóis, árvores, fruto e flor,
Harmonias
sutis, que se evolam dos ninhos
Dourados
pelo sol dalvorada do amor!
Mocidade
no abril resplandecente e loiro
De
noivado e canção das almas virginais;
Entoando
a sorrir mil ditirambos de oiro,
Como
as aves gracis em vôos nos trigais.
A
alegria taful das manhãs harmoniosas
Em
que maio desfolha os cravos e os jasmins,
Espargindo
dos céus as glicínias formosas,
Na
esmeraldina cor do colo dos jardins!
E
Deus que fez o Sol e a candura das crianças,
Fez
também o soluço e a lágrima dorida,
E
se fez a bondade envolta de esperanças,
Criou
a dor clareando a escuridão da vida.
Há
risos e esplendor e há prantos, filhas minhas,
Porque
o pranto é que lava as manchas e os negrumes
De
almas torvas e vis, misérrimas, mesquinhas,
Transformando-as
em luz e em vasos de perfumes!...
A
lágrima da dor é estrela que transluz,
Um
coração que sofre é chama que se eleva
Da
túrbida hediondez dos pantanais da treva,
Às
regiões da glória intérmina da luz.
Sobre
o escuro, porém, das lepras mal cheirosas,
Paira
o clarão do amor, edênico e sem par,
Que
liga o verme ao mar, que une a pomba às rosas,
Que
o grão de areia une ao roble secular.
O
amor que fraterniza, o amor que dá saúde,
Que
irmana a fera e a rosa, as aves e os chacais,
Que
faz da Caridade a flama da Virtude,
Que
sublime conduz aos planos celestiais.
Filhas
que Deus me deu, vinde alegres, comigo,
Vinde
comigo ver a dor dos desgraçados
Que
chorando se vão, sem pátria e sem abrigo,
Cheios
de sânie e pus, com os corpos cancerados.
Aproveitemos,
pois, esta hora calma e mansa,
Em
que há músicas no ar e olores nas estradas,
Hora
em que a Terra acorda em haustos de esperança,
Ébria
de aroma e luz das flores orvalhadas.
Saúdam
o alvorecer as vozes das ovelhas,
Perpassam
colibris, chilreia a passarada,
Zumbem
sofregamente as trêfegas abelhas,
Compondo
o hino de sol de esplêndida alvorada!
Partamos
nós, também, por este mundo afora,
Nutrindo
o coração na fonte da esperança,
Dando
consolo à dor, à treva a luz da aurora,
A
paz à guerra e à luta os lírios da bonança.
Conduzamos
conosco a luz da Caridade,
Oferecendo
o Bem aos pobres pequeninos,
Ofertando
com amor a toda a Humanidade
Esse
pão divinal que é dos trigais divinos.
Espalhemos
a Fé, a Caridade e a Crença,
Tenhamos
a noss'alma em delubros de luz,
E
acharemos no fim da romaria imensa,
O
sol primaveril da graça de Jesus!
Guerra Junqueiro
ABILIO Guerra Junqueiro, poeta português, nascido em
1850 e desencarnado em 1923, é assaz conhecido no Brasil como épico dos maiores
da língua portuguesa e admirado por quantos não estimam na Poesia apenas o
malabarismo das palavras, mas o fulgor das idéias. Notável, sobretudo, pela sua
veia combativa e satírica, vemos, por sua produção de agora, que os anos do
além túmulo não lhe alteraram a sadia e lúcida mentalidade, nas mesmas diretrizes.
E esta circunstância é tanto mais notável quando o Romantismo se ufana de uma
irreal conversão ín extremis.
Fonte: PARNASO DE ALÉM - TÚMULO -
AUTORES DIVERSOS. - Chico Xavier- Editora FEB. Rio de Janeiro RJ - 1935.
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