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quarta-feira, 11 de abril de 2018

- POEMAS ESPÍRITAS. - PARNASO ALÉM TÚMULO. - ROMARIA.- GUERRA JUNQUEIRO. (CHICO XAVIER.)


                            ROMARIA.

(Passeio matinal)

(Fim da poesia inserta em Poesias Dispersas.)

Não sabeis, não sabeis, filhas que adoro tanto,
Calcular a extensão de tantas amarguras,
Existências em flor, fustigadas de pranto,
Lírios no lamaçal das grandes desventuras...

Almas na escuridão da noite sem aurora,
Corpos de podridão, urnas de lama e pus,
Anjos açucenais que a miséria devora,
Pobrezitos sem pão, esquálidos e nus.

No entanto, há aroma e luz na beira dos caminhos,
Cantos de rouxinóis, árvores, fruto e flor,
Harmonias sutis, que se evolam dos ninhos
Dourados pelo sol dalvorada do amor!

Mocidade no abril resplandecente e loiro
De noivado e canção das almas virginais;
Entoando a sorrir mil ditirambos de oiro,
Como as aves gracis em vôos nos trigais.

A alegria taful das manhãs harmoniosas
Em que maio desfolha os cravos e os jasmins,
Espargindo dos céus as glicínias formosas,
Na esmeraldina cor do colo dos jardins!

E Deus que fez o Sol e a candura das crianças,
Fez também o soluço e a lágrima dorida,
E se fez a bondade envolta de esperanças,
Criou a dor clareando a escuridão da vida.

Há risos e esplendor e há prantos, filhas minhas,
Porque o pranto é que lava as manchas e os negrumes
De almas torvas e vis, misérrimas, mesquinhas,
Transformando-as em luz e em vasos de perfumes!...

A lágrima da dor é estrela que transluz,
Um coração que sofre é chama que se eleva
Da túrbida hediondez dos pantanais da treva,
Às regiões da glória intérmina da luz.

Sobre o escuro, porém, das lepras mal cheirosas,
Paira o clarão do amor, edênico e sem par,
Que liga o verme ao mar, que une a pomba às rosas,
Que o grão de areia une ao roble secular.

O amor que fraterniza, o amor que dá saúde,
Que irmana a fera e a rosa, as aves e os chacais,
Que faz da Caridade a flama da Virtude,
Que sublime conduz aos planos celestiais.

Filhas que Deus me deu, vinde alegres, comigo,
Vinde comigo ver a dor dos desgraçados
Que chorando se vão, sem pátria e sem abrigo,
Cheios de sânie e pus, com os corpos cancerados.

Aproveitemos, pois, esta hora calma e mansa,
Em que há músicas no ar e olores nas estradas,
Hora em que a Terra acorda em haustos de esperança,
Ébria de aroma e luz das flores orvalhadas.

Saúdam o alvorecer as vozes das ovelhas,
Perpassam colibris, chilreia a passarada,
Zumbem sofregamente as trêfegas abelhas,
Compondo o hino de sol de esplêndida alvorada!

Partamos nós, também, por este mundo afora,
Nutrindo o coração na fonte da esperança,
Dando consolo à dor, à treva a luz da aurora,
A paz à guerra e à luta os lírios da bonança.

Conduzamos conosco a luz da Caridade,
Oferecendo o Bem aos pobres pequeninos,
Ofertando com amor a toda a Humanidade
Esse pão divinal que é dos trigais divinos.

Espalhemos a Fé, a Caridade e a Crença,
Tenhamos a noss'alma em delubros de luz,
E acharemos no fim da romaria imensa,
O sol primaveril da graça de Jesus!

Guerra Junqueiro

ABILIO Guerra Junqueiro, poeta português, nascido em 1850 e desencarnado em 1923, é assaz conhecido no Brasil como épico dos maiores da língua portuguesa e admirado por quantos não estimam na Poesia apenas o malabarismo das palavras, mas o fulgor das idéias. Notável, sobretudo, pela sua veia combativa e satírica, vemos, por sua produção de agora, que os anos do além túmulo não lhe alteraram a sadia e lúcida mentalidade, nas mesmas diretrizes. E esta circunstância é tanto mais notável quando o Romantismo se ufana de uma irreal conversão ín extremis.

            Fonte: PARNASO DE ALÉM - TÚMULO - AUTORES DIVERSOS. - Chico Xavier- Editora FEB. Rio de Janeiro RJ - 1935.

                                   RHEDAM. (mzgcar@gmail.com)

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