O DOCE MISSIONÁRIO.
Sertão hostil. Agreste
serrania.
Tendo por companhia.
A cruz do Nazareno,
humilde e solitário,
Ali vivia Anchieta, o
doce missionário,
Carinhoso pastor,
espelho de bondade,
Abençoando o bem,
perdoando a maldade,
Servo amado de Deus,
imitador de Assis,
Que na humildade achara
a vida mais feliz.
Naquele dia,
Era intenso o calor.
Ninguém! Nem sombra se
movia,
Tudo era languidez,
desânimo e torpor.
Além se divisava a
solidão da estrada,
Amarela de pó, tristonha
e desolada.
Na clareira, onde o Sol
feria os vegetais,
Viam-se florescer
bromélias e boninas,
E, elevando-se aos céus,
esguios espinhais
Implorando piedade às
amplidões divinas...
Eis que o irmão de
Jesus, o humilde pegureiro
A vista um mensageiro.
Dirige-se-lhe a casa,
Pisando vagaroso o chão
que o Sol abrasa.
- “Meu protetor – diz ele
-, o bom pajé,
Convertido por vós à luz
de vossa fé,
Que tem oferecido a Deus
o seu amor,
Agonia na taba, ao
longe, em aflição.
Ele espera de vós a paz
no coração
E implora lhe leveis a
bênção do Senhor.”
- “Oh! Doce filho meu,
que vindes de passagem,
Que Jesus vos ampare, ao
termo da viagem...”
E isso dizendo, o pastor
prestamente
Toma da humilde cruz do
Mártir do Calvário,
Abandonando o ninho
agreste e solitário,
Para arrancar à dor o
pobre penitente.
Há solidão na estrada,
Ferem-lhe os pés as
pontas dos espinhos.
Que penosa jornada.
Em tão rudes e
aspérrimos caminhos!...
Pairam no ar excessos de
calor,
Nem árvores umbrosas e
nem fontes,
Somente o sol ferino e
destruidor,
Que calcina, inflamando
os horizontes.
Eis que a sede o devora;
Entretanto, o pastor não
se deplora;
A terna e meiga efígie
de Jesus
É-lhe paz e alimento,
amparo e luz.
Numa férvida prece,
Ele ainda agradece:
- “Se bendito, Senhor,
por tudo o que nos dás,
Seja alegria ou dor,
tudo é ventura e paz.
Eu vejo-te no alvor das
manhas harmoniosas,
No azulíneo do céu, no
cálice das rosas,
Na corola de luz de
todas as florinhas,
No canto, todo amor, das
meigas avezinhas,
Na estação outonal, na
loura Primavera,
No coração do bom, que
te ama e te venera,
Na vibração dos sons, na
irradiação da luz,
Na dor, no sofrimento, em
nossa própria cruz...
Tudo vive a mostrar tua
pródiga bondade,
Eterno Pai de amor, de
luz e caridade.
Abençoados são o Inverno
que traz frio
E os calores do Sol nas
estações do estio...”
Terminando a sorrir a
espontânea oração,
Inspirada em tão santa
devoção,
Anchieta escuta em torno
os mais sutis rumores.
Eis que nos arredores
Congregam-se apressadas
Todas as avezinhas,
E, asas aconchegadas,
Juntinhas.
Numa ideal combinação
Formam pálio protetor,
Cobrindo o doce irmão
Que ia ofertar amor,
Luz e consolação,
Em nome do Senhor.
Pelos caminhos,
Foi-se aumentando
O alado bando
Dos bondosos e ternos passarinhos,
Aureolando com amor o Discípulo
Amado,
Modesto, casto, humilde
e isento de pecado,
Que ia seguindo,
Lábios sorrindo,
Em meiga mansuetude.
O enviado do Bem e da
Virtude
Agradecia ao Céu, o
coração em luz,
Evolando-se puro ao seio
de Jesus.
Chegara ao seu destino.
Ia caindo o dia...
No poente de paz e de
harmonia,
Brilhava nova luz, feita
de crença e de amor;
Era a bênção dos céus, a
bênção do Senhor...
AUGUSTO
DE LIMA.
Poeta mineiro nascido em Sabará,
Minas, em 5 de abril de 1859 e desencarnado no Rio de Janeiro em 22 de abril de
1934. Magistrado integro, orador e publicista, militou na política e foi membro
de realce da academia Brasileira de Letras, tendo ocupado a presidência dessa
instituição.
Fonte: PARNASO DE ALÉM - TÚMULO -
CÁRMEN CINIRA e outros autores - Chico Xavier- Editora FEB. Rio de Janeiro RJ -
1935.
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