1839 – 1906
Em 4 de dezembro de 1906, após ano e meio
de penosa enfermidade, iniciada com uma congestão, libertava-se do casulo de
carne, no bairro de São Cristóvão, o Espírito do bondoso velhinho Carlos Joaquim
de Lima e Cirne. Fora se unir à sua extremosa esposa, desencarnada alguns meses
antes dele, para juntos alçarem às esferas radiosas do Infinito...
Embora prostrado no leito, em extremo
depauperamento físico e intelectual, ele revelava a preocupação constante de
voltar à atividade militante, à propaganda da Doutrina, bem como à infatigável
visitação aos enfermos e necessitados, que ele tanto amava e pelos quais tanto
se sacrificou. Foi, até o último alento, um exemplo vivo de trabalho e de fé!
Iniciado no Espiritismo em 1872, isto é,
aos 33 anos de idade, pois que nascera a 5 de março de 1839, alistou-se
imediata e resolutamente nas fileiras militantes, e todas as energias do seu
cérebro e do seu coração, tudo o que de generoso possuía o seu Espírito - e era
muito - tudo ele consagrou desde então à causa da propaganda espírita, pela
palavra, pelo pensamento e sobretudo pelas obras.
Não nos consta, como já se disse algures,
ter sido Lima e Cirne o fundador do "Grupo Confúcio", a primeira
sociedade espiritista instalada no Rio de Janeiro, em 1873. Talvez, isto sim,
ele tenha colaborado para a sua fundação, o que é, de certa forma, diferente.
O seu nome aparece, entretanto, como um
dos membros da primeira Diretoria da "Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e
Caridade", fundada aos 3 de outubro de 1879, e realmente a ela pertenceu
por muito tempo, tendo sido aí denodado trabalhador, participando de várias campanhas
na defesa do Espiritismo, contra as hostilidades que o preconceito e a rotina
lhe moviam. A residência do nosso biografado serviu mesmo, pelo menos nos
primeiros anos, de sede para a referida Sociedade.
O "Centro da União Espírita do
Brasil", criado em 3 de outubro de 1881 (fruto do primeiro Congresso
Espírita realizado no Brasil, aos 6 de setembro de 1881), com a finalidade de
reunir e orientar as Sociedades espíritas, teve-o também entre os seus
diretores. Reorganizado o Centro, em 1889, por Bezerra de Menezes, dele
igualmente fez parte Lima e Cirne. E mais tarde, em 1894, quando esse mesmo
Centro foi reinstalado pelo Prof. Angeli Torteroli, agora com o nome de
"Centro da União Espírita de Propaganda no Brasil", ainda aí Lima e
Cirne foi chamado a cooperar, juntamente com doze outros diretores efetivos.
Houve, em 1881, no mês de agosto,
culminado precisamente no dia 28, um movimento persecutório em que a própria
segurança individual dos espíritas se viu ameaçada. Damos aqui, a esse
respeito, uma síntese, segundo as noticias que colhemos na "Revista da
Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade", daquele ano, em seus números
de setembro, outubro e novembro.
No dia 28 de agosto de 1881, "O
Cruzeiro" e o "Jornal do Comercio", diários cariocas,
noticiaram, em furo de reportagem, a ordem policial que proibia o funcionamento
da Sociedade Acadêmica e bem assim de todos os Círculos a ela filiados,
tornando passíveis de sanções penais os espíritas que contrariassem as
disposições policiais. Seria esse talvez o preâmbulo de uma perseguição em
escala maior e mais generalizada, se não fora a ação pronta dos membros daquela
Sociedade.
Nesse mesmo dia 28, reuniram-se eles em
sessão extraordinária, a fim de tomarem providências defensivas, caso a
referida noticia fosse confirmada. Ainda na data em foco, a Diretoria da
Sociedade Acadêmica compareceu perante o Ministro da Justiça, que a recebeu mui
cordialmente, declarando que deveria ter havido algum equivoco e que não
consentiria na perseguição de ninguém.
Todavia, em 30 de agosto de 1881, um
Oficial de Justiça apresentava à Sociedade Acadêmica a contra-fé do mandado de
intimação do 2o Delegado de Policia da Corte, mandado que suspendia,
vedava as reuniões da Sociedade, alegando que ela não se achava legalmente
constituída.
Imediatamente a Diretoria expediu ofícios
ao Chefe de Policia e ao Ministro da Justiça, Conselheiro Manuel Pinto de Souza
Dantas, provando a arbitrariedade daquela injusta medida. Uma comissão, da qual
faziam parte o Dr. Antonio Pinheiro Guedes, Carlos Joaquim de Lima e Cirne, e
parece que o Dr. Joaquim Carlos Travassos, o primeiro tradutor das obras de
Kardec em português, logo ser pôs em contato com o Chefe de Policia, que,
apesar de a ter recebido com amabilidade, nada resolveu, parecendo que a ordem
vinha de cima.
A vista disso, a referida comissão
recorreu a S. Majestade D.Pedro II em 6 de setembro de 1881. Na presença deste,
no paço da Corte, no mesmo tempo que lhe depunham em mãos uma exposição
minuciosa dos fatos, com a respectiva defesa dos direitos e das liberdades dos
espíritas no Brasil, ouviram da boca do Imperador esta frase frisante: "Eu
não consinto em perseguição".
Quinze dias depois, a mesma comissão
voltou ao palácio a fim de conhecer da resposta às considerações emitidas na
exposição que fora entregue a D. Pedro II. Este, dizendo que mandara os papéis
ao Ministro do Império para dar solução ao caso, tornou a afirmar, com certo ar
de graça: "Ninguém os perseguirá. Mas... não queiram agora ser
mártires."
Ante a reiterada promessa do Imperador a
"Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade" continuou a funcionar,
sabendo os seus membros que de uma noite para o dia todos eles poderiam ser
presos e multados, pois que a ordem policial ainda estava de pé. Na verdade,
ela parece que nunca foi revogada, mas não há noticia de que fosse posta em
execução, demonstrando ter sido sustada a sua aplicação, talvez por apadrinhamento
direto do próprio D.Pedro II...
Finalmente, em oficio datado de 10 de
janeiro de 1882, dirigido à SM. D. Pedro de Alcântara, Imperador do Brasil, a
diretoria da Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade manifestava o seu
jubilo "pelo começo da tolerância" em relação àquela Sociedade,
"sinal evidente de que estão terminadas as perseguições encetadas contra o
Espiritismo e os espíritas".
A primeira ação policial contra o
Espiritismo, ação que logo abortou em seus passos iniciais, trouxe como conseqüência
imediata a fundação no Rio, em setembro ou outubro de 1881, do Grupo Espírita
Vinte e Oito de Agosto, data que os espíritas da época quiseram fixar para a
posteridade.
Carlos Joaquim de Lima e Cirne durante 33
anos consecutivos dedicou-se com todas as forças a uma propaganda ativa do
Espiritismo, quer em conferências, quer constituindo, com outros confrades, Associações
às quais emprestava todas as suas energias, nunca faltando - conforme salientou
um seu biógrafo, José Bernardino da Silva - às sessões programadas, ainda que
desabassem as maiores tempestades.
Apesar de seu grande trabalho no
Espiritismo, diz o citado biógrafo que Lima e Cirne foi injustamente apreciado
por alguns confrades, "mas, sempre firme como um rochedo batido pelas
ondas encapeladas de oceano tempestuoso, nunca se lhe ouviu um queixume, uma
mágoa contra pessoa alguma; ao contrário, tudo perdoava, tudo desculpava, como
adepto genuíno da nova Doutrina que de coração cultivava".
Sócio fundador da Federação Espírita
Brasileira, aí conquistou, com sua presença insinuante e modesta, o respeito e
a admiração dos companheiros, tendo até colaborado com suas luzes na
organização do primeiro Estatuto da Casa de Ismael.
Quer doutrinando os Espíritos sofredores,
ou endurecidos, quer intervindo nos debates sobre questões de Doutrina e de
administração, a singeleza e a humildade de que se revestia a exposição de suas
idéias dispunham a seu favor quantos o escutavam. Ao lado dessas, porém, a
virtude que mais brilhava naquele elevado espírito era a bondade de coração.
Muito amou, dissemos atrás, os pobres e os enfermos, e devemos insistir nisso,
porque foi o característico predominante do seu labor de crente. Pobre, simples
funcionário da antiga Repartição Geral dos Telégrafos, vivia a amparar os indigentes,
e muitas vezes voltava do trabalho a pé, pois que até o próprio níquel
indispensável à passagem de bonde havia sido dado.
Nos últimos anos de sua vida, já
alquebrado pelo trabalho e pela idade, ainda assim fazia longas caminhadas para
levar os socorros espirituais ou fluídicos, pelos passes magnéticos - pois que
era médium curador -, aos atormentados por males físicos e morais.
Quem com ele privasse, fosse por um
momento sequer, de pronto sentia a bondade daquela alma, bondade a transparecer
nas feições, nos gestos e na palavra.
Bela teria sido, assim, a recepção que na
Pátria Celeste lhe prepararam, recebendo o grande operário da Seara Espírita, o
fiel discípulo de Jesus, o salário a que de fato fez jus.
Fonte: GRANDES GIGANTES DA DOUTRINA
ESPÍRITA.- INTERNET.
RHEDAM.(mzgcar@gmail.com)
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